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Nossa Senhora do Silêncio

Atualizado dia 11/20/2024 9:54:34 PM em Espiritualidade
por Patrícia Marques Barros


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Maria Santíssima, mãe do silêncio, mãe que guarda tudo em seu coração (Lc, 2:16), que ajuda seus filhos a se concentrarem no que é essencial… Ela nos ajuda a escutar nossos próprios corações, aos outros e a Deus. É Ela que, no silêncio, nos ensina sobre o inefável, o que não pode ser expresso em palavras, o Grande Mistério. Maria é a catedral do Silêncio, onde ressoa a Palavra Eterna.
No ano de 1829, na aldeia de Knock, Irlanda, foi construída uma pequena igreja dedicada a São João Batista. Na época, a Irlanda estava passando por uma grave crise econômica. Muitas pessoas morreram de fome e devido a problemas de saúde. O padre Bartholomew Cavanah foi nomeado prior da igreja no ano de 1867. O religioso tinha uma profunda devoção por Nossa Senhora da Imaculada Conceição e era um homem santo, muito caridoso.

Cavanah celebrou 100 missas, na intenção das almas que agonizavam no purgatório, para que a Santíssima Virgem intercedesse junto ao seu Filho, pedindo que Nosso Senhor libertasse as que Ele assim desejasse. No final da tarde do dia 21 de agosto de 1879, dia em que foi celebrada a centésima missa, Nossa Senhora visitou Knock, mostrando o seu amor, a sua gratidão e o agradecimento das almas que foram para o Céu.

Mary McLoughlin, empregada do padre Cavanah, e sua amiga, Sra. Byrne, foram as primeiras a ver a Santíssima Virgem do Silêncio. Estavam junto Dela seis anjos, São José e São João Evangelista. As senhoras chamaram os vizinhos para que também vissem aquela maravilha. A aparição durou cerca de duas horas, período durante o qual os Santos seres não disseram uma só palavra. Foram 15 os videntes que, durante aquela santa visita, rezaram o terço em conjunto. Depois disso ocorreram numerosos milagres e a devoção a Nossa Senhora do Silêncio se difundiu. A igreja reconheceu a autenticidade da aparição no ano de 1880.

O Papa Francisco mandou colocar um quadro com a imagem da Santa Mãe do Silêncio no palácio apostólico do Vaticano, a fim de fomentar o recolhimento e a contemplação e, por conseguinte, desestimular as conversas inúteis e que levam à dispersão.

A devoção a Nossa Senhora do Silêncio quer resgatar a nossa interioridade num mundo “doente de barulho”. Segundo o frei Emiliano Antenucci, autor do livro “Caminho do Silêncio” (atualmente disponível apenas em italiano e espanhol), "a ditadura do barulho gera confusão, descaminho, tristeza. O barulho nos deixa surdos diante das coisas que realmente importam na vida. O mundo nos propõe a aparência e o barulho que nos distrai de Deus e do amor ao nosso próximo". Por outro lado, o frei Emiliano disse o seguinte sobre a devoção a Nossa Senhora do Silêncio: "O silêncio é uma “profecia” e uma forma de escutar a Deus e escutar os outros. A devoção a N. Sra. do Silêncio nos pede, com uma das mãos, para “ficarmos quietos”, e, com a outra, nos propõe que esse silêncio seja de adoração e cheio de fascínio. O silêncio nos faz enxergar verdades sobre nós mesmos e os outros. Ele nos traz a novidade de uma visão renovada da realidade e dos outros; nos faz julgar menos e amar mais. O silêncio nos abre à misericórdia de Deus, ao perdão dos outros e à expectativa de ser melhores".

Há sete anos, uma vez por mês, o frade ministra na Itália um curso sobre o silêncio. O curso consiste em um método de “Cristoterapia” dirigido aos jovens, com três passos para sanar as enfermidades da alma, que são o silêncio, a Palavra de Deus e a Eucaristia.

Como eu, pequena como sou, poderia expressar como é sublime nossa Santa Mãe do Silêncio? O poeta Fernando Pessoa já escreveu sobre Ela de maneira muito bela. As suas palavras são poesia, ode e oração. Então, como eu ousaria escrever mais? Passo a palavra ao poeta.

“Nossa Senhora do Silêncio

Às vezes quando, abatido e humilde, a própria força de sonhar se me desfolha e se me seca, e o meu único sonho só pode ser o pensar nos meus sonhos, folheio-os então, como a um livro que se folheia e se torna a folhear sem ter mais que palavras inevitáveis. É então que me interrogo sobre quem tu és, figura que atravessa todas as minhas visões demoradas de paisagens outras, e de interiores antigos e de cerimoniais faustosos de silêncio. Em todos os meus sonhos ou apareces, sonho, ou, realidade falsa, me acompanhas.

Visito contigo regiões que são talvez sonhos teus, terras que são talvez corpos teus de ausência e desumanidade, o teu corpo essencial descontornado para planície calma e monte de perfil frio em jardim de palácio oculto. Talvez eu não tenha outro sonho senão tu, talvez seja nos teus olhos, encostando a minha face à tua, que eu lerei essas paisagens impossíveis, esses tédios falsos, esses sentimentos que habitam a sombra dos meus cansaços e as grutas dos meus desassossegos.

Quem sabe se as paisagens dos meus sonhos não são o meu modo de não te sonhar? Eu não sei quem tu és, mas sei ao certo o que sou? Sei eu o que é sonhar para que saiba o que vale o chamar-te o meu sonho? Sei eu se não és uma parte, quem sabe se a parte essencial e real, de mim? E sei eu se não sou eu o sonho e tu a realidade, eu um sonho teu e não tu um sonho que eu sonhe?

Eu não sei quem tu és. Que espécie de vida tens? Que modo de ver é o modo como te vejo? Teu perfil? Nunca é o mesmo, mas não muda nunca. E eu digo isto porque o sei, ainda que não saiba que o sei. Teu corpo? Nu é o mesmo que vestido, sentado está na mesma atitude do que quando deitado ou de pé. Que significa isto, que não significa nada?

Como não te sonhar? Como não te sonhar, Senhora das Horas que passam? Madona das águas estagnadas e das algas mortas. Consoladora dos que não têm consolação, Lágrima dos que nunca choram, Hora que nunca soa. Ópio de todos os silêncios, Lira para não se tanger, Vitral de lonjura e de abandono.

Livra-me da religião, porque és suave; e da descrença porque és forte. Rezo a ti o meu amor porque o meu amor é já uma oração; mas nem te concebo como amada, nem te ergo ante mim como santa. Só tu, sol que não brilhas, alumias as cavernas, porque as cavernas são tuas filhas. Posso amar-te e também adorar-te porque o meu amor não te possui e a minha adoração não te afasta.

Sê a Noite Total e que todo eu me perca e me esqueça em ti, e que os meus sonhos brilhem, estrelas, no teu corpo de distância e negação… Seja eu as dobras do teu manto, as jóias da tua tiara, e o ouro outro dos anéis dos teus dedos.

Realizadora dos absurdos. Que o teu silêncio me embale, que o teu mero-ser me acaricie e me amacie e me conforte, Anjo da Guarda dos abandonados.

Tu não és mulher. Nem mesmo dentro de mim evocas qualquer coisa que eu possa sentir feminina. É quando falo de ti que as palavras te chamam fêmea, e as expressões te contornam de mulher. Porque tenho de te falar com ternura e amoroso sonho, as palavras encontram voz para isso apenas em te tratar como feminina. Mas tu, na tua vaga essência, não és nada. Não tens realidade, nem mesmo uma realidade só tua.

Propriamente, não te vejo, nem mesmo te sinto. Ocupas o intervalo dos meus pensamentos e os interstícios das minhas sensações. Por isso eu não te penso nem te sinto, mas os meus pensamentos são ogivais(2) de te sentir, e os meus sentimentos góticos de evocar-te. És como que um sentimento que fosse o seu próprio objeto e pertencesse todo ao íntimo de si próprio. Quem pudesse criar o Novo Olhar com que te visse, os Novos Pensamentos e Sentimentos que houvessem de te poder pensar e sentir!

És sempre a paisagem que eu estive quase para (poder) ver, a orla da veste que por pouco eu não pude ver, perdido num eterno Ágora(1) para além da curva do caminho. O teu perfil é não seres nada, e o contorno do teu corpo irreal desata em pérolas separadas o colar da ideia de contorno. Já passaste, e já foste e já te amei — o sentir-te presente é sentir isto.

Ao querer tocar no teu manto as minhas expressões cansam o esforço estendido dos gestos de suas mãos, e um cansaço rígido e doloroso gela-se nas minhas palavras. Por isso, curva um voo de ave que parece que se aproxima e nunca chega, em torno ao que eu quereria dizer de ti, mas a matéria das minhas frases não sabe imitar a substância ou o som dos teus passos, ou o rastro dos teus olhares, ou a cor triste e vazia da curva dos gestos que não fizestes nunca.

Lua de memórias perdidas sobre a negra paisagem nítida de vazio, da minha imperfeição compreendendo-se. O meu ser sente-te vazante como se fosse um cinto teu que te sentisse. Debruço-me sobre o teu rosto branco nas águas noturnas do meu desassossego, no meu saber que és Lua no meu céu para que o causes, ou estranha lua submarina para que, não sei como, o finjas”.

Fontes:

Livro do Desassossego por Bernardo Soares - Vol. I. Fernando Pessoa. (Levantamento e transcrição dos textos de Maria Aliete Galhoz e Teresa Sobral Cunha. Prefácio e Organização de Jacinto do Prado Coelho.) Lisboa: Ática, 1982.

https://pt.aleteia.org/2017/11/28/por-que-o-papa-levou-nossa-senhora-do-silencio-para-o-vaticano


1 – Ágora - Praça principal das antigas cidades gregas, local em que se instalava o mercado e que muitas vezes servia para a realização das assembleias do povo, formando um recinto decorado com pórticos, estátuas, etc. Era também um centro religioso.

2 – Ogival - Referente a ogiva (da arquitetura, é uma característica do estilo gótico, formada pelo cruzamento de duas curvas).

Texto Revisado



 

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