O PEDRO E A PEDRA
Atualizado dia 08/07/2010 11:49:34 em Espiritualidadepor Oliveira Fidelis Filho
Reivindicar filiação divina, linhagem real, sempre beneficia aqueles que, de uma forma ou de outra, buscam legitimar o exercício de alguma função privilegiada ou necessitam emprestar sentido e importância à própria vida. Com esta ardilosa prática, muitos reis e imperadores se mantiveram no poder e muitos líderes religiosos e espirituais astutamente se protegem de questionamentos, confrontações e críticas.
São poucos os que se sentem confortáveis simplesmente sendo, que se reconhecem divorciados de sua linhagem, título ou patrimônio. Para muitos, simplesmente não se é se não se tiver.
Gradativamente, o valor deslocou-se de dentro para fora, até o absurdo de abrir mão de ser para só parecer. Vamos perdendo o amor próprio, valor próprio, idéia própria, vontade própria, alegria própria, paz própria, transformando-nos em consumidores de importados.
O grande Mestre Jesus, o Cristo, em conversa com as autoridades religiosas e políticas de sua época, torna explícita a necessidade humana de lançar mão de valores da tradição, das práticas religiosas, para emprestar valor, direito, consistência aos seus atos e à própria vida.
Jesus lhes mostra que não obstante a tão reverenciada origem de que tanto se orgulhavam, o zelo com as tradições e práticas religiosas, exaustivamente observadas, o ufanismo em suas declarações, eles não eram verdadeiros e, portanto, não eram livres.
Eram escravos da soberba, da vaidade religiosa, do julgamento, da intolerância, da discriminação, da vida sustentada pela aparência, pela falta de expansão de alma. Cativos de padrões mentais e comportamentais contrários à Vida, fruto de uma religiosidade que se tornara incongruente, externa e mecânica, que não mais refletia a alma, a essência, a presença do Sagrado no coração.
Bastou Jesus mostrar onde estava o engano para que revidassem ao estilo: "sabe com quem você esta falando?" "somos filhos de Abraão!"
Definitivamente, não sabiam que Jesus sabia! Sabia, sobretudo, do que eles davam prova de não saber, ou seja, que era uma mentira; pessoas cuja essência há muito fora soterrada sob escombros de crenças e valores, formulados pelos antigos e neles introjetados, incorporados e cultivados.
Para Jesus eram filhos do diabo, ou seja, da dualidade, da ausência da verdade, da fragmentação, da falta de integridade.
Jesus chama o diabo de pai da mentira, pois ele não é de verdade ou da verdade. Assemelha-se à noite, surge quando o sol não brilha. É como o ódio que nasce com a morte do amor, como o frio que aumenta quando o calor arrefece.
Foi também por isso que disse que seria mais fácil suscitar filhos a Abraão, das pedras. Uma pedra é o que é. Não se afasta do real, da verdade intrínseca, da essência que lhe é própria. Uma pedra não sofre a tentação de ser o que não é, permanece em harmonia com sua essência, realiza-se sendo o que é.
Uma pedra possui muito mais parentesco com Abraão. Muito longe estavam os judeus religiosos, da época de Jesus de Abraão, no que tange à essência, a verdade. O que possuíam, então, era uma caricatura irreconhecível daquele de quem reivindicavam descender.
Neste aspecto é, também, possível compreender a declaração de Jesus em relação a Pedro, ao fazer da pedra um símbolo do apóstolo. O próprio Mestre Jesus possui na pedra o seu Totem (pedra angular, pedra que os construtores rejeitaram). Identifica-se com pedra no sentido de permanecer - o que era, é, e sempre será - o grande e eterno Eu Sou. Em nenhum momento, sucumbiu à tentação do não Ser; não transformou a pedra em pão.
Creio que Jesus viu pedra em Pedro, ou seja, percebeu que ali havia alguém que não era uma mentira, que se movia sem hipocrisia, inteiro no que pensava, sentia e dizia.
Pedro não era perfeito, era íntegro, integrado em sua essência. Não era um amontoado de fragmentos, era uma rocha. Não se espera perfeição em uma rocha e, sim, que ela seja o que é.
A integração de um ser não se estrutura a partir da lógica de suas crenças ou da ausência delas e, sim, quando o coração e a mente falam a mesma linguagem; é quando o ego expressa a vontade do Eu, quando a essência humana se reconcilia com a divina.
Em Jesus - a Rocha Eterna - esta integração se fez, o que o autorizava a dizer: "Eu e o Pai somos Um". Era, portanto, Um no Uno.
Pela ausência de integridade da essência Crística, crescem as neuroses, as enfermidades da mente e do corpo. A essência está fragmentada demais; da rocha, em alguns casos, só resta areia.
Quando a essência transborda, a existência é encharcada de paz, liberdade, alegria, saúde, leveza.
Texto revisado
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Teólogo Espiritualista, Psicanalista Integrativo, Administrador,Escritor e Conferencista, Compositor e Cantor. E-mail: [email protected] | Mais artigos. Saiba mais sobre você! Descubra sobre Espiritualidade clicando aqui. |