O PORQUÊ DA PRECE
Atualizado dia 21/10/2009 22:59:25 em Espiritualidadepor Christina Nunes
- Dona Zinéia, o que é aquilo? - dirigimos a pergunta à dona da casa, àquela altura descansando num assento da sua varandinha dianteira. Ao que ela imediatamente esticou-se, olhando, intrigada, na direção para onde apontávamos com grande sensação de receio, como que fascinados com algo que intuíamos, na nossa pouca idade, como instigante e misterioso.
Ainda me recordo de que ela se esticou e alongou para observar. Mudou de posição.
- Onde?! - insistia.
Ao que voltávamos a apontar:
- Ali! Do lado!
Olhou, olhou, e certamente não viu nada. Hoje o entendimento favorece-me, tanto acerca das razões do seu aturdimento, quanto da resposta que, tranquilamente, nos dirigiu depois, com toda a naturalidade do mundo, habituada que era com incidentes daquele teor.
- É um espírito!
Àquilo, assombro e pronto estupor se assenhoreou do bandinho de crianças que, algumas levando às mãos à boca, outras, como eu, sem saber o que dizer ou pensar do que ouviam, recuamos uns passos, repetindo, com grande perplexidade:
- Um espírito?!...
- Mas não tenham medo. Não faz mal a ninguém. Está aqui protegendo a minha casa...
Quantos anos dobraram, e foram precisos, para que, afinal, eu mesma de família Kardecista, e muito mais tarde, na adolescência, tendo despertos os atributos iniludíveis da mediunidade, afinal, me visse capacitada para compreender o que se passou naquela noite tranquila de um provável verão, distanciada nas névoas das minhas mais gratas recordações de infância?!
Pois foi aquela mesma dona Zinéia quem, um dia, contou a história para minha mãe, desde jovem uma de suas vizinhas na vila íngreme e acolhedora daqueles anos idos que testemunharam tantos lances da minha vida.
Houve na mesma casa onde residia aquela senhora, anos e anos antes, um caso de suicídio. Um rapaz, filho adotivo da senhora que ali residia com ele sozinha após a morte de seu marido. Misantropo nos modos e na índole, minha mãe nunca se esquecerá do dia em que, ocupada com qualquer coisa nos fundos da casa de minha avó, - que fazia parede meia com a moradia de que tratamos - de repente, ouviu esquisito estampido, aparentemente originado num cômodo dessa casa, que se encontrava com as janelas cerradas. Em seguida a isto, para sua funda consternação, o gemido lúgubre do desafortunado suicida.
Estabeleceu-se uma comoção sem precedentes na casa e em torno, na vizinhança. Minha mãe conta do tumulto de curiosos, vizinhos; gritos, choro, a presença de reportagens e policiais. O rapaz, filho adotivo da moradora de então, dera fim à vida de inopino, sem que ninguém suspeitasse nele a capacidade para tal ato extremo, não obstante as esquisitices de temperamento.
A partir disso, o tempo correu; aquela senhora solitária, mergulhada no seu desgosto, mudou-se de residência. Só que a nova moradora - a dona Zinéia - começou a dar conta aos vizinhos com quem travou amizade dos estranhos episódios que aconteciam na casa: batidas, passos; a torneira abria-se por conta própria. Ela ia lá, fechava. Passava um tempo, abria-se de novo.
Ruídos noturnos. Pancadas. Um desassossego crescente. E dona Zinéia só foi compreender melhor as causas do insólito tumulto - embora delas já suspeitasse, dado o seu entendimento espiritualista da vida - quando a vizinhança deu-lhe ciência do trágico acontecimento havido anos antes.
Em vista daquilo, não perdeu tempo. Iniciou seus trabalhos. Preces, rogos à assistência da espiritualidade para que encaminhasse o rapaz ao seu destino. Sessões sobre sessões foram promovidas no seu santuário, no sentido de apaziguar e esclarecer o infeliz rapaz que, tempos depois, ainda mourejava na invisibilidade do lugar, preso ao local do ato ensandecido e ao seu estado agudo de sofrimento, sem lograr encontrar paz. Por isso, apenas, e por nenhuma outra razão, e de dentro de evidente desespero, promovia aqueles distúrbios no ambiente de sua antiga moradia terrena, com o fim de atrair atenção. De pedir ajuda.
Os resultados não poderiam ter decorrido de forma melhor. Porque, com o passar dos meses, tudo foi se acalmando. Os ruídos já não se repetiam com tanta intensidade. Até afinal dona Zinéia ter depreendido, da absoluta pacificação em seu lar, que o infortunado suicida ganhara outros destinos para além dos portais da transição. Fora acolhido, amparado pelos assistentes da invisibilidade; encontrara o caminho para a renovação dos seus rumos!
Do âmbito pessoal, recordo-me ainda de um fato mais recente, havido na intimidade de meu lar. Uma inflamação de garganta qualquer provocou-me, em plena madrugada, e em ocasião em que me via em situação melindrosa, sozinha com as crianças durante a semana, um terrível fechamento de glote! Debalde, sobre o leito, buscava conciliar o sono, em vão. A respiração ia-me fugindo; os brônquios, portadores de histórico asmático da infância, se ressentiam; o fôlego faltava, cisciante. E, assustada, momentaneamente sem saber direito o que providenciar àquela hora adiantada da madrugada fria, ocorreu-me apenas levantar-me de abrupto e postar-me, de dentro de grande aflição, diante do quadro de Jesus: imagem de grande beleza que ornamenta meu recanto de trabalhos espirituais, na sala de minha residência. Entre lágrimas, roguei dele orientação e esteio. Inspiração sobre como melhor agir. Afligia-me imensamente a perspectiva de, em horário e dia tão impróprios, importunar meus familiares com um pedido de socorro extemporâneo, dada alguma necessidade inadiável de comparecer à uma emergência hospitalar. Pedia ardentemente que, se alternativa houvesse, que as falanges do espaço ma apresentassem, intuíssem.
Não fui desatendida! Algum tempo depois, presenças se me acercaram e me induziram a escancarar janelas e a porta da varanda, dando entrada ao ar frio da noite. Depois, recostei ao leito, onde veio-me a sugestão de ligar a tv num canal de belas mensagens espirituais (Boa Vontade).
Dormi sem sentir. Despertei de manhã - curada!
Eis aí, amigos, o demonstrativo do valor inestimável da prece, idioma das dimensões maiores da Vida, onde repousam nada menos que as nossas origens: o lar verdadeiro e definitivo, para onde todos haveremos de retornar, uma vez findo o curto estágio de aprendizado nas vidas corpóreas sucessivas! Lar onde residem as nossas famílias espirituais e todas as hierarquias que, sob a égide de Jesus, incansavelmente nos estendem as mãos em momentos críticos de desorientação, de desamparo - quando tudo o mais parece despojado de sentido e vagamos no escuro, sem norte, sem direção - por Amor!
ok
Avaliação: 5 | Votos: 15
Chris Mohammed (Christina Nunes) é escritora com doze romances espiritualistas publicados. Identificada de longa data com o Sufismo, abraçou o Islam, e hoje escreve em livre criação, sem o que define com humor como as tornozeleiras eletrônicas dos compromissos da carreira de uma escritora profissional. Também é musicista nas horas vagas. E-mail: [email protected] | Mais artigos. Saiba mais sobre você! Descubra sobre Espiritualidade clicando aqui. |