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Por que prolongar a vida?

Atualizado dia 09/03/2023 15:18:05 em Autoconhecimento
por Fernando Tibiriçá


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Desde pequeno me acostumei com a dinâmica dos meus pais. Sempre em ação, com os compromissos pessoais e profissionais. Parecia que eles não tinham tempo para os filhos.

Meu pai, entretido com assuntos forenses, negócios empresariais, aproximações entre diplomatas, com excelente convívio entre políticos, militares e empresários, ainda tinha tempo para nadar, jogar tênis, caminhar, enfim, se cuidar. Minha mãe havia sido cantora de sucesso nos anos 30, trabalhou com o pai num cartório, teve atividades forenses, construía casas, cuidava da sua e olhava os filhos.
Os dois liam muito, faziam palavras cruzadas, cantavam em reuniões, dançavam nos salões, saiam para se divertir, enfim, viviam bem. Com a saúde em dia foram vivendo, vendo os filhos crescerem, ganharam netos, bisnetas e envelheceram...

Nos últimos 8 anos, começaram a apresentar um quadro de rabugice ou caduquice aborrecendo os familiares que, despreparados, confundiam um mal que estava se iniciando com arbitrariedades e falta de boa vontade deles. Na realidade, eles estavam no início do processo do Alzheimer. Se recusavam a uma consulta com um geriatra ou neurologista. Ficavam bravos conosco ao sugerirmos que algo não estava bem.

Em 11 de julho de 2011, meu pai teve uma isquemia enquanto almoçava no clube, onde ainda é o mais velho conselheiro. Fui à enfermaria do clube e aconselhado a encaminhar meu pai a um hospital. Entrei na ambulância e fomos para o Sírio Libanês e lá começou uma jornada de aprendizado para mim e toda a família. Entre surtos e falta de reconhecimento das coisas, passaram-se 48 horas. Durante este período, recebemos uma lição dos médicos sobre demência, Alzheimer, atrofia do cérebro, velhice e as novas responsabilidades que teríamos.

Soubemos que pessoas com alguma cultura e conhecimento conseguem "mascarar" a demência, ou fica mais difícil de se perceber. Diferente de uma pessoa sem preparo cultural. Não bastasse essa provação fomos aconselhados a cuidar de nossa mãe que apresentava os sintomas de demência. Após 45 dias hospitalizado, meu pai voltou para casa e minha mãe, sem perceber, foi visitada por um médico que recomendou exames e foi constatado o Alzheimer.

No final de agosto de 2011, eu estava com meus pais com demência, acompanhados por cuidadores e enfermeiros, tomando remédios, usando fraldas, minha mãe ficou com pneumonia, diabética e infecção urinária.
Os dois, na casa deles, pedem para ir para casa, meu pai quer voltar para São Paulo morando em São Paulo, ambos querem visitar seus pais ou dizem receber a visita dos mesmos, perguntam sobre pessoas que não estão mais aqui e vão demonstrando atitudes típicas da doença.

Ao pesquisar fiquei sabendo de pessoas que foram "pegas" pelo Alzheimer aos 40 anos, vi gente com 60 sem a menor reação. Flats e hotéis deixando de funcionar dentro de seus propósitos para se tornarem clínicas ou residenciais para idosos/doentes. O florescer de um mercado (muitos médicos são sócios destes lugares ou estão criando clínicas) para cuidar de dementes ou gente com o cérebro danificado ou atrofiado, remédios para o prolongamento deste quadro e o sofrimento das famílias.

O que pude comprovar é que os cuidados são muitos com o corpo, o organismo e nada para impedir a atrofia do cérebro. A demência está em todas as classes sociais. A demência está nas ruas e locais públicos. A demência provocada pelo álcool e drogas é ignorada e não tratada.

Décadas atrás, a morte chegava com respeito aos 50, 60 e 70 anos ou através da fatalidade de um acidente ou por meio de doenças incuráveis ou ataques fulminantes. Com o aparecimento de novos medicamentos e alta tecnologia de equipamentos, as doenças tornaram-se curáveis e a vida prolongada.

Passei por experiências dolorosas causadas por acidente automobilístico, diverticulite e hepatite C. Na primeira, a juventude ajudou. Na segunda, bons médicos e a tecnologia funcionaram e não fiquei com sequelas. Na última, sujeitei-me a uma experiência como cobaia e fui curado. Em todas elas, Deus me ajudou. Na segunda e terceira situação, há 30 ou 40 anos, eu teria morrido.

Meus pais já passaram dos 90 anos. Aproveitaram bem a vida até os 80 anos. Ele caminha para os 96 anos e ela para os 93 anos. São quase 10 anos de perda de identidade e realidade de viver. E tudo porque a indústria da medicina tem como missão obter lucros inimagináveis.

Foram abertos cursos para melhora de memória em várias cidades do Brasil. O custo é de 1.800 reais por algumas sessões. Numa entrevista na televisão, uma mulher de 48 anos, disse que garantiu sua inscrição.
O neurologista que cuidou de meu pai comentou que 98% das pessoas que passam dos 88/90 anos de idade tem Alzheimer.

Se a tão almejada qualidade de vida não pode ser desfrutada na sua totalidade e os cientistas nada podem fazer pelo cérebro, por que prolongar a vida depois dela ser bem vivida?

E não consegui a explicação convincente de como uma pessoa com Alzheimer nos vê. E como Deus a vê...


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