Se os perus falassem...

   

Autor Leandro José Severgnini

"Querido Deus! Gostaria de dizer-lhe que eu, assim como a maioria das suas criaturas, admiramos a grande obra da Criação. Quero ressaltar, ainda, que nada tenho a reclamar ou protestar sobre a natureza de uma forma geral; nós e a maioria das outras espécies vivemos em harmonia, nada fazemos que possa comprometer o equilíbrio da vida e a natureza nos oferece tudo o que precisamos. Porém, devo dizer que pudemos verificar uma pequena falha na grandiosa obra da criação: essa falha se chama humanidade! Aquela que se autodenomina como a mais perfeita de suas criaturas, parece ser justamente a mais insensata. É que esses seres carregam em si um instinto de destruição que nenhuma outra espécie possui: matam por prazer, matam por vingança, matam por competição, matam para possuir, matam para se alimentar e matam para comemorar tudo isso! Acredita, querido Criador, que essa espécie diz comemorar a vida de Jesus uma vez por ano, mas para comemorar a vida dele enchem as suas mesas com cadáveres de outras espécies? Eu, sendo um simples peru, indefeso contra as cruéis máquinas desses seres, possivelmente estarei na mesa de um deles! Que tipo de sapiência é essa que comemora a vida de uns, exterminando a vida de outros? O que os levou a pensar que a vida deles é mais importante que a nossa? Mas o mais estranho é que esses humanos possuem APENAS alguns preferidos de outras espécies: são os felinos e os caninos! Esses privilegiados, muitas vezes ganham casa, alimentação e carinho dos humanos do lado de cá do planeta, e se algum humano ousar comer a carne de um gato ou de um cachorro, certamente será internado em um hospício por pessoas que acham bonito e saboroso comer a nossa frágil carne. Porém, ouvi dizer que em outro ponto do planeta, as vacas que aqui são mortas cruelmente, lá são criaturas sagradas; e em outros lugares, os cachorros que aqui são amados e protegidos, lá viram alimento. Que povo insensato! Que povo que não se entende!

Se eu puder pedir um presente de Natal, esse presente é apenas a oportunidade de viver e desfrutar da vida sem me preocupar com esses que dizem ser a imagem e semelhança do Senhor. Fora isso, para mim nada quero, pois compreendo que se me for permitido viver eu terei tudo o que preciso, ao passo que os humanos, esses sim precisam aprender o valor do amor integral e incondicional. Eles amam uns e odeiam outros, defendem uns e maltratam outros, receiam a morte, mas matam os mais indefesos. Espero apenas que o espírito natalino possa preencher o coração dos homens, pois se a tradição for mantida, seus estômagos estarão mais cheios que seus corações.

Ass: um humilde peru!".

Este conto em forma de apelo tem apenas a função de gerar a reflexão. Ainda hoje, aquele que se propõe a adotar a alimentação vegetariana, é interrogado de todas as formas, e quando as dúvidas cessam, começam as piadas de mal-gosto. A humanidade de uma forma geral tem uma enorme resistência às mudanças e, por isso, tem dificuldade até mesmo de aceitar que o outro mude.

Até pouco tempo, quem adotava a alimentação vegetariana ou vegana, tinha como base a compaixão e o respeito pela vida. Mas como o número de adeptos e ONGs ativistas está numa crescente nunca vista antes, as organizações estatais passaram a rever seus antigos pontos de vista.

Novidade

No mês de novembro deste ano, o Ministério da Saúde lançou o “Guia Alimentar Para A População Brasileira”, admitindo pela primeira vez, que a alimentação à base de vegetais tende a ser mais saudável que a alimentação à base de produtos animais. O Guia deu foco ainda aos sérios prejuízos ambientais proporcionados pela criação de animais como, por exemplo, a emissão de gases de efeito estufa, o desmatamento decorrente da criação de novas áreas de pastagem e o uso intenso de água.

Questionamento

Recentemente, alguns sites publicaram uma notícia onde o Papa Francisco teria afirmado que os animais também iriam para o céu. Seriam suas palavras: "Um dia, vamos rever nossos animais, na eternidade de Cristo. O paraíso é aberto a todas as criaturas se Deus". Posteriormente, outros sites publicaram uma notícia onde o jornalista da primeira publicação teria manipulado a fala papal. Esta alegação do Papa (se fosse verdadeira) iria contra o conservadorismo de muitos cristãos que não aceitam que os animais possam ter uma alma. Mas independente de o Papa Francisco ter dito isso ou não, todos temos a possibilidade de pensarmos por nós mesmos em detrimento de esperarmos que um Papa “pense por nós”. Ora, já não vimos esta mesma história séculos atrás, quando os negros africanos eram usados brutalmente para o serviço, sob a mesma alegação de que eles não possuíam alma? Será que não estamos cometendo os mesmos erros e enfrentando a mesma resistência conservadorista de outrora? No sentido oposto, se admitirmos que os animais possuam alma, então matar animal não é também um ato reprovável perante a magnitude da vida?

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Passo a passo a humanidade caminha para o progresso moral, e não pode haver progresso moral sem o desenvolvimento do amor, e estou convicto de que para haver amor o homem precisa rever seus conceitos e, principalmente, suas paixões. Não me parece sensato admitir que o homem possa alcançar o ápice da razão e da evolução da consciência enquanto outras criaturas padecerem em suas mãos. Repito: toda essa maldade só se sustenta por que o homem é carente de amor; o homem é tão fraco em sua compaixão que basta sentir o cheiro de um bife e seu estômago fala mais alto que seu coração.

Entendo que um texto humilde como esse não vai fazer ninguém mudar seu cardápio ou diminuir o número de perus que vão às mesas, mas podemos ao menos refletir sobre o assunto? Talvez, uma das fontes do problema seja justamente esse: não questionamos aquilo que nos foi ensinado. Pegamos um modelo comportamental pronto de nossa cultura e o reproduzimos sem nunca pensarmos em suas implicações. Disseram-nos em nossa meninice que o cachorro é melhor amigo do homem, mas que o boi e o porco são saborosos e devemos comê-los; e nós aceitamos isso, como se não houvesse nada de estranho nessa ideia. Acho que não custa nada olhar para um animal e questionar: "Se ali existe vida, ora, será que esta vida também não é sagrada? Se os animais foram criados exclusivamente para o nosso consumo, por que é que eles não aceitam a morte passivamente sem se opor?". Existe alguma coisa aí que não está fechando!

E para encerrar, quero apenas dizer que não! Esta não é apenas uma questão de opinião! Isso deixa de ser opinião quando o amor e a compaixão falam mais alto que conceitos.

“Os animais existem por suas próprias razões. Eles não foram feitos para os humanos, assim como os negros não foram feitos para os brancos ou as mulheres para os homens” – Alice Walker

Avaliação: 5 | Votos: 3

     

Conteúdo desenvolvido pelo Autor Leandro José Severgnini    Palestrante espiritualista e escritor. Autor dos livros intitulados "Dias de Luta, Dias de Glória", "Liberdade - Nada Menos Que Tudo" e "Em busca do infinito". E-mail: [email protected] | Mais artigos. Saiba mais sobre você! Descubra sobre Espiritualidade clicando aqui.