VOCÊ SABE COM QUEM ESTÁ FALANDO?
Atualizado dia 24/08/2011 17:02:06 em Espiritualidadepor Oliveira Fidelis Filho
Sabe quem eu sou, com quem está falando? Não é incomum alguém se deparar com tal pretensa demonstração de superioridade. Mas o que leva uma pessoa a utilizar tal mecanismo de defesa? Quais são as fragilidades e complexos que movem um ser humano a tal necessidade de demonstração de força, de incontida arrogância?
Com quem você pensa que está falando? Aristóteles no século IV a.C. responderia que estaria falando com "um animal racional". Pascoal diria no século XVII que estaria falando com "um caniço pensante". Fernando Pessoa seria um pouco menos polido e diria que estaria falando um "um cadáver adiado". Os livros sagrados judaicos e cristãos declaram que estamos falando com a "Imagem e Semelhança de Deus". Os teólogos cristãos fundamentalistas diriam que estamos falando com uma imagem quebrada e que não mais nos vêem semelhantes ao Pai.
O filósofo Mario Sérgio Cortella diz que quando confrontado com tal questionamento, ele responde com uma pergunta simples: "Você tem tempo?" Pois, para Cortella esta "inquisição" merece resposta elaborada. Na tentativa de levar o soberbo inquisidor a se recolher em sua insignificância, Cortella enumera alguns intrigantes fatos. Lembra que cada ser humano é um indivíduo entre outros sete bilhões de indivíduos, que compõe uma espécie entre outros três milhões de espécies classificadas. Vive num planetinha que na companhia de mais sete ou oito planetas orbita em torno de uma estrela antigamente considerada de quinta grandeza, mas que agora é percebida como uma estrela anã. Tal "estrelinha", o sol, é uma entre outros cem milhões de estrelas, compondo uma única galáxia entre outros duzentos milhões de galáxias que compõem um Universo entre outros Multi-Versos possíveis e que um dia vai a acabar.
Portanto, diante da pergunta "sabe com quem você está falando?" é natural nos sentirmos vulneráveis, inseguros, intimidados, confusos e até apavorados. Também é óbvio que quem faz a pergunta ameaçadora não sabe quem em verdade é. Até porque, a grandiosidade é geralmente um disfarce para o desespero.
Apesar de sermos constrangidos a nos recolhermos em tão abissal insignificância em face de tão assombrosos números, volumes e massas, há, no entanto, outras dimensões que possibilitam o sentimento de altivez ou de paz. É possível nos sentirmos arrogantemente grandes a partir das criações e projeções do ego e também anfitriões da paz e da segurança a partir do esvaziamento do ego. É possível ser ilusoriamente grande no ter e verdadeiramente grande no Ser. Também é possível Ser e ter com humildade, pois, em verdade, só o ego separa o Ser do ter.
Da "grandeza" do ter a humanidade já colheu frutos podres o suficiente para perceber quão imprestáveis e nocivos eles são. Os que vivem acumulando "tesouros" do reino do ego vivem sob constantes cobranças, culpas, julgamentos, comparações, ataques, defesas, projeções e temores. São pobres de Paz!
Entre os momentos de acerto de contas para os investidores no ego, a velhice é um dos menos rentáveis e mais desapiedados. Neste período da existência, quem vendeu a alma para o ego recebe por pagamento altas somas em desilusões. Em um mundo chamado civilizado, formatado a partir de crenças e valores materialistas, estéticos e consumistas, o envelhecimento embalado por ego pode ser muito cruel.
Quanto mais próximo o instante da passagem, do embarcar na misteriosa viagem, mais esvaziada fica a bagagem. E o ego não convive com o vazio, ainda que paradoxalmente se alimente da cultura da escassez. Nestes momentos, quem sempre viveu a partir da ilusória grandiosidade do ego pode se perceber infinitamente limitado e miserável. Para onde vamos os valores são diferentes daqueles que o ego cultua.
O ego é grande na discórdia e vive de comparações e julgamentos que resultam em rejeição. Em verdade, todo o sofrimento humano acontece em nível de ego. Tudo que desejamos e acreditamos necessitar, motivados pelo ego, acaba nos ferindo. A recompensa do ego para quem lhe é fiel é a dor.
Lembrando e parafraseando o Apóstolo Paulo, é possível dizer: "Andai no Espírito (no Ser, no Eu, Self, Essência Divina), e jamais satisfareis à libidinagem da carne (ego). Porque a carne (ego) milita contra o Espírito (Ser), e o Espírito (Ser) contra a carne (ego) porque são opostos entre si: para que não façais o que porventura seja do vosso querer".
Somos, verdadeiramente, a partir da diluição do ego em Amor incondicional, das sombras em Luz. Na ausência do ego, não somos grandes ou pequenos, simplesmente somos harmonia e paz. Na história bíblica, que narra a libertação do povo de Israel do domínio egípcio, Deus apresenta-se ao Profeta Moisés "simplesmente" como o "EU SOU". Não ostentava medalhas, títulos, diplomas, cargos ou patrimônios. Para Deus, ser liberto ou libertador deriva de Ser. Fora do Ser impera a escravidão do ter a serviço do ego.
Estar no Ser é não cair em tentação e ser livre do mal. Creio que o exemplo mais extraordinário da "grandeza" do Ser, de viver a partir da Essência Divina, consciente do EU SOU, é o Mestre Jesus. Nele o ego não fez o seu ninho de víboras. Jesus viveu sob a Luz do Ser e ressuscitou, pois Nele nada havia de perecível. Por estar destituído das exigências do ego, pôde conviver em paz com os mais desafiadores momentos de sua histórica existência. Nele o ego não gerou sombras.
As tentações por Ele sofridas eram de desesperados apelos de um ego faminto por satisfação do corpo, de grandeza e domínio, de aclamada visibilidade. Por viver no reino do Ser, do Eu Sou, não "caiu em tentação". A beleza do Ser, a glória do Reino, que Jesus declara estar igualmente em nós, fica plenamente visível nos acontecimentos que culminaram na crucificação. Naqueles momentos, a "carne" travou sua mais desesperada luta contra o Espírito ou, dito de outro modo, o ego travou sua mais violenta batalha contra o Ser.
Assim, Jesus foi traído por um amigo íntimo, foi falsamente acusado, abandonado pelos seus amigos, injustiçado, desrespeitado, ferido, humilhado e finalmente crucificado. Antes de "morrer", de entregar a Deus seu espírito, Ele diz: "Pai perdoa-lhes, pois não sabem o que fazem", pois também sabia que todo perdão ofertado é perdão recebido.
No processo da crucificação, Jesus ensina o poder e a grandeza de uma vida movida pelo Ser. Ensina que é possível viver fora do reino do ego, existir em um Reino que não é deste mundo. Deixa claro que na ausência do ego o amor incondicional floresce, ilumina e aquece. Demonstra que o SER não se sente ferido, abandonado, injustiçado, vitimizado, traído, humilhado, rejeitado. Quando afirmamos que Jesus sofreu, o fazemos a partir da projeção do nosso próprio ego. O Filho de Deus não se defende, não ataca, não condena, não julga, não ameaça, pois estas são as armas do ego e Nele o ego nada possui. Com clareza solar, Jesus demonstra que quando EU SOU o ego não é.
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Teólogo Espiritualista, Psicanalista Integrativo, Administrador,Escritor e Conferencista, Compositor e Cantor. E-mail: [email protected] | Mais artigos. Saiba mais sobre você! Descubra sobre Espiritualidade clicando aqui. |