A Fábrica - Parte 1
Atualizado dia 25/02/2021 22:08:29 em Psicologiapor Lisandro
Passados os anos de tristeza, passei a analisar o duro sistema de produção das fábricas. A mão-de-obra especializada, na minha opinião, trata-se na verdade de um trabalho escravo especializado. Com a indústria crescendo cada vez mais, cresce mais ainda a disputa, a competição e os valores mais importantes são deixados para trás. Vejamos dessa maneira: a empresa 1 achou que a empresa 2 ofereceu risco em determinado momento. Então despediu alguns funcionários que trabalhavam "devagar" e produziam apenas 50 peças por dia. Contratou outros com uma nova meta de produção de 100 peças. Também trocou a matéria-prima com redução de 50% do valor. O resultado foi que o produto ficou 50% mais barato e, assim, a empresa 1 conseguiu mais clientes que a empresa 2. Que bom!
Seria bom, se não fosse trágico. Todos os funcionários antigos que antes trabalhavam tranquilamente, no seu ritmo, arrumaram novo emprego; agora temendo serem mandados embora, passaram a acelerar seu ritmo de produção feito loucos - não podiam ser mandados embora, não de novo. Os funcionários novos, da empresa 1, também tiveram que manter o novo ritmo, mesmo sabendo que era quase impossível produzir tantas peças diariamente, pois na empresa anterior não era desse modo. Insatisfação, frustração e a sensação de que suas almas desapareciam lentamente. Era isso o que sentiam. Quanto à nova matéria-prima, sem a qualidade anterior, não duraria tanto quanto deveria. Mas não importa. O importante, hoje em dia, pensava a empresa, era a produção e o rendimento. Era até melhor, pois as pessoas precisariam comprar o produto novamente, em breve. Falta de respeito com o próximo, dar o pior de si ao mundo, importar-se apenas consigo mesmo. Era isso o que os donos da empresa faziam.
E assim esse ritmo frenético segue. Cada vez mais lixo industrial é produzido para ser descartado em breve, sugando de forma absurda os recursos naturais. Cada vez mais essa disputa gananciosa faz os preços baixarem, o consumo aumentar, juntamente com um aumento de trabalho para a mão-de-obra produtiva. E essas pessoas, essas pequenas pessoas, meras peças do mecanismo das empresas, são obrigadas a perder a própria vida em prol de um capricho barato. Menos pessoas contratadas e as poucas que restam têm que fazer o trabalho da maioria dispensada. É um fardo que o mundo poderia deixar de carregar...
Quando as empresas e empregadores valorizarem o ser e virem o trabalho como uma expressão e forma de arte, tudo poderá mudar. Quando investirem mais na qualidade do produto comercializado e na qualidade de vida de seus empregados (hoje escravos), verão como o verdadeiro crescimento acontece. Quando oferecemos às pessoas ao nosso redor somente o melhor, assim o melhor se manifesta em nós. Não financeiramente falando, mas de um modo que nos traga satisfação pessoal. Uma divisão melhor do que colhemos e plantamos com as pessoas que colaboram conosco, funcionários ou clientes, não importa. Tudo é uma coisa só!
Retornando ao assunto de quando saí da fábrica, descobri que, na verdade, o errado era eu. Porque quando fazemos aquilo que não queremos, que não gostamos, o resultado só pode ser a dor. Quem gostava de costurar naquela empresa, com certeza, era feliz, mesmo com o baixo salário, mesmo sendo obrigado a trabalhar num ritmo alucinado, mesmo sendo um mero objeto de produção industrial. Com toda a certeza, eu ficaria feliz se pudesse, nesse exato momento, viver somente da arte que tanto adoro. E não me importaria que o salário fosse pouco. Eu estaria fazendo o que mais gosto no mundo e isso seria a minha fonte de alegria e vida. Mas me importaria se me exigissem mais do que poderia oferecer, se me tratassem como um mero objeto, se quisessem fazer com que eu perdesse minha alma e minha identidade.
Foi por isso que passei a trabalhar naquela fábrica em meu próprio ritmo. Sem me importar com os prazos, com gerentes me cobrando, com a produção que precisava ser cumprida (afinal, eles querem sempre mais...). Decidi que iria abandonar o sistema e passei a me importar mais comigo mesmo. Que eu deveria dar o melhor de mim para a empresa, como eles costumavam dizer, mas descobri que o melhor de mim era trabalhar no meu ritmo, sem me matar pela empresa. Trabalhando dessa forma, meu serviço possuía mais qualidade e eu colocava amor no que fazia, pensando nas pessoas que iriam consumir aquele produto. Elas teriam o melhor, simplesmente o melhor de mim, naquele objeto... E o ambiente à minha volta até que melhorou, porque tudo passou a ser mais amigável. E se a empresa achasse ruim (como acabou achando mesmo) poderia me mandar embora. Por um acaso eu não teria, se quisesse, a capacidade de encontrar outro trabalho? Será que o mercado lá fora estava tão difícil como eles viviam dizendo? "Veja bem, valorize nossa empresa, talvez você não consiga algo melhor lá fora..." Era o que faltava, pensava eu. Além de tudo, pensam que estão fazendo um favor nos mantendo empregados e escravizados. Mas, é claro que eu conseguiria outro emprego. E ficaria rodando de fábrica em fábrica, até encontrar aquele que me aceitasse como eu era e valorizasse o meu modo honesto de trabalho, com meu ritmo certo e tranqüilo de fazer as coisas, sem perder minha alma. Uma hora alguém iria me aceitar assim.
As pessoas me falavam "Mas alguns têm família. O que diremos aos nossos filhos?" "Vocês passarão dificuldade, mas uma hora irão conseguir e mostrarão a seus filhos como não se render ao sistema. Mostrarão a eles o verdadeiro valor da liberdade", dizia eu. Por fim, não fui mandado embora, mas isso estava prestes a acontecer, depois de várias "conversas" com o supervisor. Terminei pedindo a conta e caí fora do sistema. A sensação, ao deixar a fábrica, foi a de estar saindo de uma prisão.
Continua em A Fábrica - Parte 2
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Conteúdo desenvolvido por: Lisandro Lisandro é músico new age. Conheça seu site www.lisandros.com E-mail: [email protected] | Mais artigos. Saiba mais sobre você! Descubra sobre Psicologia clicando aqui. |