About time (Questão de tempo)
Autor Renata Kindle
Assunto PsicologiaAtualizado em 10/26/2014 1:35:09 AM
Acabo que aceitar uma indicação de um filme pra assistir enquanto a chuva cai fininha lá fora. O filme era About time: questão de tempo. Parecia uma proposta razoável e me dispus a assistir. Em resumo, o enredo se desenvolve em cima de um segredo da família: os homens, ao completarem vinte e um anos, ganhavam o poder de voltarem no tempo. É aniversário do garoto e seu pai o chama para lhe contar sobre essa possibilidade.
De modo geral, o filme é quase bom. Há uma música que faz chorar de tão linda, a paisagem é fenomenal e os conflitos são tão reais quanto corriqueiros. Entretanto, uma pergunta (e depois dela, várias) me fez companhia o tempo inteiro: "quantas vezes precisamos errar o mesmo erro até aprendermos de fato a lição?" Em alguns momentos, fiquei lado a lado com o protagonista, mas ele me frustrava em cada vez que precisava "voltar e fazer melhor".
Mas penso que claro, sendo ficção tudo bem, há estórias muito mais impossíveis, mas pensando em termos reais de dúvidas, de responsabilidades e de escolhas, seria bom podermos voltar no tempo e refazer nossas escolhas? Seria bom fazermos isso sem que as outras pessoas com as quais convivemos soubessem disso? Até que ponto não estaríamos afetando ou invadindo o livre-arbítrio de outrem? Seríamos honestos? Manipuladores?
Ainda não sei se é justo responder a tais questões, uma vez que só posso falar por mim e não pretendo ser formadora de opinião e muito menos, crítica de cinema, e portanto, opto por respostas que sejam as minhas respostas, mas não precisam concordar comigo.
Seria bom podermos voltar no tempo e refazer nossas escolhas? Por um lado, seria ótimo. Erro, entro no armário, me concentro na data, local e hora precisas e mudo, não de atitude, porque o objetivo é o mesmo, mas o jeito de fazer. Há um exemplo logo na primeira experiência de viagem no tempo do guri: ele se interessa por uma moça que vai passar o verão em sua casa. Ele tenta a primeira investida, ela o dispensa alegando que agora era tarde, pois era o último dia dela lá, dizendo ainda que se a proposta tivesse sido no começo, a resposta dela seria diferente. Ele entra no armário, concentra no momento e faz a segunda tentativa baseado na resposta que levara minutos antes. A resposta da moça? É cedo demais, vamos ver no fim do verão! A ele, não foi dada a chance de fazer nova escolha com a possibilidade de voltar no tempo, mas a chance de se frustrar duas vezes na mesma situação, simplesmente porque a moça também seu direito de escolha e, por duas vezes, ela escolheu não. No meio do filme eles se reencontram, ela se oferece, mas ele recusa. O filme poderia acabar aí, foi um momento lúcido em que ele não precisou errar, entrar no armário e se concentrar em escolher bem. Foi uma escolha responsável, implicada em avaliações das pessoas envolvidas. Nesse instante, o rapaz mereceu um beijo na testa!
Há uma outra passagem comovente, para salvar sua irmã de um acidente de carro, ele volta no tempo, mas quando retorna, as coisas mudaram. Então ele acha uma outra criança no lugar da sua filha. Ora, voltar no tempo tem um custo, é o preço do bilhete da viagem. Se de alguma maneira se altera o passado, as decorrentes alterações também acontecerão, é como derrubar uma fila de dominós! Então ele precisa tomar coragem de entrar no armário e se concentrar em voltar no instante preciso e permitir que o inevitável aconteça: o acidente da irmã. Essa passagem do filme é realmente tocante. Estava vendo alguém permitindo que a vida seguisse seu fluxo, mesmo sabendo que o sofrimento viria. De que maneira ele avaliou entre o sofrimento de ver a irmã a quem amava se acidentar e não ter mais sua filha? É um impasse, sem dúvida! A nossa cultura e polícia interna nos "manda", como bons pais que somos, a optarmos por nossos filhos, mas e a irmã? Irmãos também não são nossa família? Não são pessoas a quem amamos de todo o coração? Difícil a escolha, mas ele foi capaz de fazê-la, responsabilizou-se pelo que viria depois e a salvou de outra maneira. Merecia outro beijo na testa!
Então no fim do filme, ele tem uma conclusão brilhante: sua vida simples e feliz era o que ele tinha. Não viajaria mais no tempo, optando por viver todos os seus dias intensamente como se fosse o último. E é mais ou menos assim mesmo que devíamos viver (na minha opinião), talvez não como se fosse o último dia das nossas vidas, mas vivendo intensamente cada experiência que se apresenta. Tomando consciência de que quando nos responsabilizamos e nos implicamos em nossas escolhas, não precisaremos de um armário para nos transportar pra lá e prá cá no tempo. Muitas vezes nossas escolhas não são mesmo as melhores, mas só nos damos conta disso mais tarde. Para algumas, há a chance de voltarmos, não no tempo, mas no erro, e escolhermos diferente, fazermos de outro jeito. Um pedido de desculpas, uma nova prova que substitua aquela em que não me saí assim tão bem. Uma escolha equivocada na inscrição do vestibular, um namoro que não devia ter começado, uma briga feroz com o pai, com o melhor amigo, com o chefe... em todos esses casos podemos voltar e dizer: "Desculpe-me, eu erre!" Ainda que não mude nada, muda pra mim, minha paz comigo mesma, mas voltar no tempo e refazer sem que as outras pessoas saibam que estou manipulando a vida delas para satisfazer o meu bem estar, aí me soa como covardia, como capricho e irresponsabilidade.
Mas como diversão o filme é ótimo ou para que nos toquemos com a brilhante conclusão à qual o menino chega nas duas últimas cenas: a opção pela mulher com quem divide a vida e a opção pela filha de quem ele quase perdeu a chance de ser pai!
Psicóloga clínica e hospitalar (crianças, adolescentes, adultos, casais e família); autora de alguns textos e artigos. Desenvolvedora de um trabalho piloto sobre a atuação das emoções no corpo físico, que se realiza com grupos de oficinas terapêuticas. E-mail: [email protected] | Mais artigos. Saiba mais sobre você! Descubra sobre Psicologia clicando aqui. |