Medo e Ciúme
Atualizado dia 1/18/2012 12:24:32 PM em Psicologiapor Oliveira Fidelis Filho
O ciúme está estreitamente relacionado com o sentimento de perda e a conseqüente necessidade de posse. Manifesta-se face ao sentimento de perda de controle, de domínio em relação a pessoas, animais ou objetos que entendemos serem propriedades nossas. Sua base está no medo, no medo de ser destituído do objeto do gozo, do gozo que é buscado no outro, fora de nós.
Tal sentimento pode ser verificado em crianças muito pequenas em relação aos seus brinquedos, suas pequenas propriedades e a dificuldade de compartilhá-los.
Mas por que hospedamos tal sentimento, de onde vem, é possível livrar-se dele?
Para lançar luz sobre estas questões creio ser importante embarcar em uma viagem no tempo e retroagir ao útero materno, este verdadeiro "Jardim da Infância" do qual partilham todos os pertencentes da espécie humana. A partir da concepção, o microscópico ser embrionário, este minúsculo projeto de gente, progressivamente vai preenchendo as formas pré-estabelecidas. Desenvolve-se em um ambiente onde desconhece a fome, a sede, o frio ou a falta de aconchego. Experiencia por nove meses o "Jardim do Éden" da existência; flutua no paraíso, literalmente. Existe em estado de "gozo", desconhece as demandas do desejo, a opressão das necessidades.
Entretanto, chega o momento de nascer quando, então, é expulso do "Paraíso". Ao recém-nascido é-lhe dado o encontro com a luz e com ela inicia-se o compulsório e condicionante conhecimento do bem e do mal. Agora precisa respirar com os próprios pulmões, desesperar-se com a cólica, reclamar da fralda molhada, lutar por proximidade, por atenção. É em alguns momentos tomado por um profundo sentimento de falta, uma angustiante sensação de separação e de desamparo.
Com a "porta do Paraíso", definitivamente fechada, a indecifrável e inconsciente sensação de desterro rondará a existência por toda a vida. Incansavelmente, e das mais diferentes formas, tentará reaver o paraíso simbiótico que foi vivenciado no útero da mãe. Do "Jardim do Éden" agora só resta o Mito. O "gozo" dá lugar ao desejo; o desejo de reviver o "gozo" perdido.
Tal memória de gozo habita desde sempre o inconsciente coletivo podendo ser percebido no arquétipo projetado no Mito do Jardim do Éden, de Adão e Eva. A teologia tradicional cristã chama de queda a "expulsão" do casal do seu estado de gozo paradisíaco. Realmente, em muitos aspectos, o nascimento é uma queda. Queda que estabelece a separação, que abala o estado de mordomia, harmonia e segurança. A partir do nascimento devem lutar pelo sustento, enfrentar os constantes desafios da sobrevivência, os castrantes condicionamentos sociais.
Após o nascimento, em diferentes intensidades, a sensação de rejeição, abandono e medo será experienciada. Em muitos casos tais sensações precedem ao nascimento, sendo uma experiência intra-uterina.
Da mesma forma que a criança pequena se desespera com a ausência da mãe, o adulto sente-se desesperado diante da possibilidade da perda do objeto de desejo, em que idealisticamente projeta o seu "gozo". Sente-se fragilizado e vulnerável, o gatilho do medo outrora experienciado é acionado e o ciúme evidencia a fraqueza e o temor.
Quanto maior a dependência menor será a auto-estima, maior o sentimento de vulnerabilidade e mais patológico pode vir a ser o ciúme. Portanto, lembrando a psicanalista e sexóloga Regina Navarro Lins "a existência do ciúme está ligada a imagem que temos de nós mesmos. Quanto pior for a impressão que alimentamos de nós mesmos mais teremos que conviver com o medo de ser abandonado, de ser trocado por outro. Quanto mais intenso o sentimento de inferioridade, maior será a insegurança e mais forte o ciúme".
O ciúme possui pouco espaço para se manifestar em pessoas que se consideram interessantes e com auto-estima elevada. Amar, respeitar, valorizar a si mesmo, portanto, precisa sempre vir em primeiro plano.
Para nos livrarmos do sentimento de ciúme precisamos estar mais focados em nós mesmos, depender menos dos outro em todas as áreas da vida, buscar o sentimento de completude interna, não se permitir ser metade de ninguém.
Amamos de forma mais verdadeira quando nos sentimos plenos em nós mesmos. Aqueles cujo amor romântico os leva a desejar ser "a metade da laranja" mais cedo ou mais tarde poderão ter que "saborear" o azedume do limão.
Quem se sente enciumado alimenta-se da revolta causada pela suposta felicidade do outro, fruto da sua projeção, enquanto amarga em seu interior o sentimento de perda mal digerido. E isso até mesmo quando na prática tal perda não se confirma ou pode significar um verdadeiro ganho, uma libertação de uma relação fracassada. A imaginação corre solta, tanto para a projeção do hipotético desmoronamento da sua felicidade, se é que de fato ela existia, quanto para se sentir impotente diante da insuportável realização do outro.
A cura desse sentimento aniquilador e destrutivo é possível, mas só para quem ousar ter a coragem de perceber que o grande problema não é a perda - real ou imaginaria - do outro, mas a constatação do que está em escassez em si mesmo.
Lembrando o livro sagrado cristão, "o verdadeiro amor lança fora o medo" além do que "não arde em ciúmes". Portanto, o medo e o ciúme derivam do sentimento de posse estritamente relacionados ao amor romântico, amor especial, mas nunca do verdadeiro Amor, do Amor incondicional.
Texto revisado
Avaliação: 5 | Votos: 9
Teólogo Espiritualista, Psicanalista Integrativo, Administrador,Escritor e Conferencista, Compositor e Cantor. E-mail: [email protected] | Mais artigos. Saiba mais sobre você! Descubra sobre Psicologia clicando aqui. |