O malandro na relação: 171 emocional
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Autor Alex Possato
Assunto PsicologiaAtualizado em 17/12/2013 16:52:39
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“Fazer sofrer é a única maneira de se enganar” – Albert Camus
No código penal, 171 é o estelionato. Na gíria, é o trambiqueiro, aquele que aplica golpes, a maior parte deles, lícitos ou pelo menos, aceitáveis. Nos últimos dias, se não, nos últimos meses, tenho visto mulheres que me procuram ou porque se deixaram usar por homens notoriamente interessados em sexo, proteção e, às vezes, dinheiro, ou porque estavam envolvidas com pessoas que estão nesta situação.
Antigamente, quando alguém agia com interesse nos dotes de outro, e buscava uma relação afetiva, chamávamos “golpe do baú”. Esta expressão surgiu na Idade Média, época em que uma das poucas chances de ter dinheiro e status para alguém que vinha da classe dos plebeus, era através de um casamento com nobres e ricos. Hoje em dia, embora a situação financeira seja outra, muitas pessoas, entre homens e mulheres, entram em relações somente para ganhar algo: às vezes, transar, às vezes usar o dinheiro do outro, às vezes conseguir projeção dentro de um outro meio… Sou obrigado a dizer que, na minha experiência, vejo mais homens usando estes artifícios de manipulação, sobre as mulheres, do que o contrário. Embora também já tenha presenciado mulheres que fazem isso com os homens.
Sedução através da manipulação emocional
Um homem não seduz somente pela sua beleza. Ao contrário. Vejo muita tranqueira por aí seduzindo levas e levas de “inocentes donzelas” (já vou chegar já já no outro lado desta história: a mulher que se deixa usar por estes homens). Ele seduz pela sabedoria. Pelo conhecimento. Pela experiência de vida que ele tem ou diz que tem. Pela falsa autoconfiança. Pela aparente honestidade. Ou pelo perfil mais descolado. Pela carinha de carente e desprotegido. Ou pelo perfil valentão e demolidor. Consciente ou não, o estelionatário emocional se aproxima das mulheres e sabe que ela necessita carinho, prazer, sensação de segurança, alegria, criatividade… De acordo com o próprio perfil, afinal, um homem com aspecto “criança carente” não poderá se passar por “exterminador do futuro”, este cara irá levantar sua antena para encontrar mulheres “mamãezona que quer cuidar de criança carentinha”. E acham! Outro caso é o homem que tem um papel de “papai sabe tudo”, que procura mulheres com o perfil “preciso de papaizinho”. E então eles começam a manipular. Se é o “criança carente”, finge que quer os conselhos e cuidados, para depois, começar a exigir outras coisas. Nunca ouve o que o outro lado lhe diz; ao contrário, destrata e desconstrói palavra por palavra, tirando a força da parceira, até que ela está totalmente subjugada e cheia de culpas. Aí, virou vítima indefesa de toda a maldade do estelionatário.
O “papai sabe tudo” age ao contrário: dando conselho e exigindo que a vítima faça tudo o que ele diz que é o correto. Exige mais e mais. Sempre reprovando os resultados, e assim, colocando a pessoa para baixo. É comum que um mesmo homem encarne os dois papéis: criança carente e papai sabe tudo.
Um bom estelionatário não acaba com sua vítima. Não é bom matar a galinha dos ovos de ouro. Então, às vezes, ele se preocupa em recuperá-la, levantá-la, para depois passar a perna novamente. E lógico: dar uma transadinha outra vez. É bem comum que ele esteja agindo assim com várias mulheres ao mesmo tempo. Tenho notícias de muitas mulheres que se submetem a serem “a amante”. Quase amante de gigolô. Pessoas com educação, profissão, experiência mas… sem autoestima suficiente para achar que merece um homem honesto, íntegro, companheiro, que dê prazer e liberdade, que auxilie a pessoa a crescer, ao mesmo tempo que desenvolve junto com a parceira… É! Isso existe! Mas elas não creem nelas mesmas, e por isso, se submetem a migalhas…
A vítima também tem culpa no cartório
Como sou terapeuta, digo com certeza: uma mulher que permite ter um homem estelionatário ao seu lado, é porque tem péssima consideração pelo próprio pai e por toda a linha masculina da sua família. Ela odeia tanto os homens, que irá provar que todo homem não presta, mesmo que com o próprio sofrimento. Não é consciente – é inconsciente o negócio. Assim como o homem que se presta a este papel – e isso o faz extremamente infeliz, afinal, um homem ser dependente de mulher é humilhante, também tem péssima consideração pela própria mãe e pela energia feminina da sua família. Ele odeia tanto a mãe, que irá provar que nenhuma mulher presta, ao mesmo tempo em que se mantém necessitado de mulheres a vida toda: um círculo de tortura infinito.
Vítima e agressor são dois lados da mesma moeda. Não existiria estelionatário, se não houvesse alguém pedindo desesperadamente para ser enganado. Uma relação verdadeira e produtiva só existe quando os dois lados conseguem minimamente se bancar, mesmo permitindo que o outro lado vá embora. Mas o que ocorre é exatamente o contrário: tanto o estelionatário se sente tão fraco que precisa alguém para enganar, como o lado enganado se sente tão fraco que precisa atrair um falso príncipe encantado que irá lhe trazer felicidade – e ninguém consegue se largar. Ou quando larga, arruma outra pessoa igual.
A vítima é muito agressiva. Tem uma raiva reprimida, que estoura de diversas formas: ela se fecha sexualmente. Começa a manipular o outro, se mostrando fraca. Explode e cai doente, impedindo o confronto. Se faz de coitada e se pendura no outro. Permite-se ir à falência. Carrega seu corpo e seu organismo de vícios, doenças e sintomas. E alguns casos, deixa os bichos saírem e parte para a violência. Atrai uma vida de insucesso e infelicidade, culpando sempre um ou todos os parceiros por isso… E aí, ensinam seus filhos que relação a dois é essa nhaca, e homem nenhum presta: principalmente o pai deles! E com certeza, os filhos aprendem direitinho… para depois reproduzirem.
Autorresponsabilidade e consciência para sair do jogo
Esse jogo só acontece porque nós, homens e mulheres, reproduzimos o sistema aprendido com nossos pais e antepassados. Somos filhos, netos, bisnetos de muita violência na relação entre homem-mulher. Muita sacanagem, muitos filhos em relação paralela, muito amor interrompido, mortes, muita gente abandonada, abortos, muita falta de apoio e solidariedade, mentiras e segredos, manipulação financeira e violência sexual…
Em maior ou menor grau, é bem possível que você tenha aspectos desse jogo. Seja você homem ou mulher. Eu reconheço o meu lado “171”, agressor… e também reconheço o meu lado vítima. Tudo dentro de mim. E vejo claramente quando estou agindo a partir destes lados. Mas é importante dizer: temos um lado consciente. Um lado essencial, onde a bondade é natural e a harmonia reina absoluta. A partir deste lado, é possível observar este “eu manipulador” agindo. Perceber a carência emocional deste pequeno “eu”, e entender que o outro não tem nada a ver com isso. Nenhum parceiro do mundo pode lhe dar aquilo que você mais sente falta: sexo, prazer, dinheiro, conforto, carinho, proteção… seja lá o que for. Esta carência, você terá que se responsabilizar por ela, investigar-se e entender que isso vem do seu passado familiar. Você deixou de receber coisas na infância. Seus pais deixaram de receber dos avós. E os avós, dos bisavós. E aí, você poderá tomar posse da sua própria dor e carência, sem cobrar que algum “príncipe ou princesa” vá supri-la. Neste momento, você se abrirá para encontrar, pela lei da afinidade, alguém que também estará se trabalhando para assumir seus problemas e dores… Aí, uma verdadeira relação de construção, prazer e liberdade pode se estabelecer. Acabou o 171. E os laranjas podem sair do jogo também.
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Terapeuta sistêmico e trainer de cursos de formação em constelação familiar sistêmica E-mail: [email protected] | Mais artigos. Saiba mais sobre você! Descubra sobre Psicologia clicando aqui. |