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Padre exclui autista da 1ª comunhão

Atualizado dia 6/23/2012 1:22:42 PM em Psicologia
por Nilton Salvador


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Confesso que já estava cansado, mas nunca perdi a esperança de que um dia o vento poderia começar a soprar na direção do autista para este conquistar seu lugar no contexto de ser bem aceito na vida, pelo menos defendido, mesmo que contrariando regras obrigatórias em favor de todo ser humano, cada vez que me expresso sobre discriminação e preconceito.
Quando o padre celebrante excluiu um adolescente autista do sacramento da primeira comunhão, por julgar que o mesmo não abriria a boca na hora de receber a hóstia, não pensou que causaria revolta entre os moradores da cidade, e o fato como diz o ditado gaúcho, "pegou fogo igual capim seco" repercutindo por todos os meios de comunicação no Brasil, listas de discussão, e redes sociais.
As variações sobre o mesmo tema das opiniões pessoais atéias, espíritas, católicas, evangélicas, crentes e filosofais, foram tantas que por pouco o padre causador da asneira fica de fora da história.
Precisamos considerar que "somos herdeiros dos próprios atos". Em cada encarnação adicionamos conquistas ou prejuízos a nossa contabilidade evolutiva e, em determinados momentos, ao contrairmos débitos mais sérios, reencarnamos para ressarci-los sob a injunção dolorosa de fenômenos expiatórios, tais os estados esquizóides e suas manifestações várias, dentre elas, o autismo.
Tomai e comei - disse Jesus, e não tomai e olhai. Olhar não é comungar... Disse o padre para a imprensa na tentativa de se justificar: "Não posso abrir a boca dele com força e largar um pedacinho da hóstia lá dentro. Tem de ser um ato livre e espontâneo", afirmando que o adolescente não estava preparado para entender o sentido da comunhão, no que foi prontamente defendido pelo bispo da diocese, apoiando que aquele não era o momento para ministrar a comunhão para o autista.
Sendo assim, penso que a igreja deveria dar uma base e apoio para as famílias que possuem entre seus membros pessoas deficientes, autistas ou não, como também vejo como uma vergonha termos que nos deparar com esse grau de preconceito e ignorância advinda de um padre, que estigmatizou com sua repulsa o sonho de uma família.
Por um princípio lógico não podemos criticar sem razão. Mas "cá prá nós" o padre julgou que o adolescente autista era incapaz de compreender, não levando em consideração que ele estava sendo preparado há meses para receber a comunhão, e se não abriu a boca no ensaio foi porque provavelmente a abordagem foi equivocada. Saiba padre, que os autistas só concordam com gestos em sua direção se tem confiança em quem o faz, e não em pessoas estranhas ao seu convívio.
Para nós, pais de autistas, e quem me ler concordará, o despreparo do padre além de intolerável, cruel, é pouco, pois ele demonstrou estar desprovido de sentimentos cristãos. Na celebração litúrgica da comunhão, estes acontecimentos se fazem, de certa maneira, presentes e atuais.
Para enfrentar a dor da mãe do autista e a repercussão da asneira, o padre se defende das acusações de preconceito afirmando que em casos como esse a igreja dispensa necessidade do rito da eucaristia, e mais, com o respaldo do bispo. Ora, senhores: não é correto, afirmar que o catecismo deve ser interpretado ao pé da letra e, por sua vez, fazer uma arbitrária e brusca exceção a falha sacerdotal.

A palavra é uma das mais poderosas ferramentas que o ser humano possui, mas é uma faca de dois gumes, que além de poder criar um sonho ou destruir tudo, o mau uso dela, também pode gerar um ferimento profundo. Por isto se diz que "As palavras são como plumas jogadas ao vento". Não há como juntá-las novamente.
Quem sabe esse vento sopre até encontrar o ponto de equilíbrio para chegar ao caminho que não conhece, não lhe interessando o outro extremo, pois os autistas tendem a repetir os seus estereótipos fora do contexto político ou da cultura que estão inseridos, uma vez que são soberanos e despreocupados com mesquinharias.
 Pais de autistas, no sentido duplo da palavra, também devem ser cuidadosos com o uso da palavra, para que ela não se volte contra si mesmo. Quem nunca usou mal uma palavra, ou quem nunca falou mal de alguém, que me "atire a primeira pedra". Quando se fala em preconceito e discriminação, cada um pode expressar o seu conceito ou a intencionalidade que considere oportuna. Uma vez identificados não se pode evitar a lembrança de coisas ruins, pois estas afloram justamente em ocasiões em que a autoestima está em baixa impedindo que o atingido alcance seu objetivo.
O poeta e pedagogo judeu, Itzhak Katzenelson, reconhecido como o profeta do genocídio, pouco antes de ser conduzido à câmara de gás já afirmava: "Num futuro próximo, os nazistas negarão todas as suas culpas e, pior ainda, haverá pessoas que acreditarão na sua inocência". Na cidade de Bom Princípio de colonização alemã, pouco distante de Porto Alegre, é realizada a Festa Nacional do Moranguinho, onde são consumidas as fantásticas especiarias originadas da maravilhosa fruta.
Um dos compromissos que o fundador da cidade teve que assumir perante o governo central, da época, foi o de que seu povo jamais poderia praticar uma religião que não fosse à católica, e que se alguém o fizesse, seria expulso da colônia, embora as tradições, hoje já existam igrejas de linha evangélica funcionando por lá. Não é novidade para ninguém que na Inquisição, a Igreja Católica se dizendo autorizada por Deus podia: torturar, matar e condenar milhares de pessoas à fogueira sob acusação de heresia. Recentemente, começou a pedir perdão por ter permitido a escravatura, pelo que não fez pelos judeus na II Guerra, pelo que consentiu na Pedofilia e outras insânias. Quem sabe no amanhã que surge, possa ela estar pedindo perdão pelo que já fez contra as pessoas deficientes, autistas ou não. É possível perceber que os jovens bom-principienses têm um comportamento bem diferente daqueles que viveram logo após a guerra e tiveram que construir tudo do zero. Essa nova geração, acostumada com tudo pronto e sem muito esforço, pode estar perdendo bons valores éticos transmitidos por seus antecessores.
A religião dos pais de autistas é ecumênica. Em preces, todos rogam à Divindade Maior suas bênçãos para que nossos filhos não sofram mais do que o inevitável.

"Certo dia, a professora perguntou às crianças quem saberia explicar quem é Deus?
 Uma das crianças levantou o braço e disse:
- A minha mãe me disse que Deus é como o açúcar no meu leite que ela faz todas as manhãs, eu não vejo o açúcar que está dentro da caneca no meio do leite, mas se ela tira, fica sem sabor. Deus existe, e está sempre no meio de nós, só que não O vemos, mas se Ele sair de perto, nossa vida fica... "Sem sabor".
Espero que a acessibilidade seja garantida, a inclusão deverá acontecer como um grande desafio em Bom Princípio, pois se deixarem as coisas continuarem a caminhar do jeito de todo reprovável que o pároco procedeu com o adolescente autista ao imaginar que este não abriria a boca: podem começar a pedir perdão, já.
Valha-nos Senhor!
Nilton Salvador
https://autismovivenciasautisticas.blogspot.com

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Conteúdo desenvolvido por: Nilton Salvador   
Escritor amador - Articulista em jornais, revistas, sites, grupos e listas de discussão, do ponto de vista bio-psico-sócio-espiritual. Autor dos livros: Vida de Autista; Autismo - Deslizando nas Ondas; Deficiência ou Eficiência – Autismo uma leitura espiritual; Vivo e Imortal - Ensinando a Aprender; Adoção - O Parto do Coração. Brasileiro.
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