REMOVENDO MONTANHAS
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Autor Oliveira Fidelis Filho
Assunto PsicologiaAtualizado em 10/20/2010 2:14:44 PM
Sempre que posso retorno a região montanhosa onde o Criador achou por bem que eu nascesse. Cresci entre as montanhas do Leste de Minas próximas ao Parque Nacional do Caparaó, administrado pelo instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade. Aquelas montanhas, e em especial o majestoso Pico da Bandeira, com 2.989 metros de altitude, em cujo topo estive algumas vezes, continuam a exercer sobre mim o mesmo fascínio.
Na antiguidade, cidades e fortalezas eram construídas sobre montanhas, geralmente rochosas, o que dificultava a invasão e facilitava a defesa. Hoje, algumas fortalezas são construídas no interior das montanhas. Eram também símbolo da estabilidade e eternidade de Deus, em contraposição com as águas movediças dos rios e dos mares. Um exemplo significativo de tais construções é Machu Picchu, a cidade perdida dos Incas.
Desde tempos imemoriais que as montanhas arrebatam os humanos. Há nelas um misto de poder, beleza, mistério e magia. Possuem o poder de influenciar diretamente os hábitos e até mesmo a fisiologia de seus habitantes. Não faltam histórias e lendas entre os que convivem com os montes.
No Livro Sagrado Cristão, as montanhas possuem espaços preservados; várias são as referências a tais elevações da crosta terrestre, entendidas como base de acontecimentos que respaldam a fé judaica e cristã. É-nos dito, por exemplo, que Moises recebeu os Dez mandamentos em uma montanha. O extraordinário "Sermão da Montanha" do Mestre Jesus foi proferido, obviamente, em um monte. E são dele também as palavras: "Pois em verdade vos digo que, se tiverdes fé como um grão de mostarda, direis a este monte: passa daqui para acolá, e ele passará. Nada vos será impossível."
Considerando que muitas coisas continuam aparentemente impossíveis de serem realizadas, alteradas ou removidas, qual o fator limitante? Falta-nos "fé como um grão de mostarda"? O que exatamente Jesus quis dizer com isso?
Na tentativa de buscar uma resposta a estas questões, antecipo que estarei fazendo alusão a um tipo de montanha pouco visível, de difícil acesso, intangível, mas que possui o poder de nos aprisionar, ainda que nem sempre tenhamos consciência disso. São Montanhas psíquicas que irrompem e se consolidam a partir de crenças e valores oriundos da família, religião e do meio onde nascemos e vivemos. Erguidas não a partir de placas tectônicas ou atividades vulcânicas e sim de formas-pensamento introjetadas, assimiladas e incorporadas. O desafio apresentado por elas não é de escalá-las e sim percebê-las, desconstruí-las ou removê-las. Ainda que sejam instrumentos de restrição de liberdade e de vícios escravizantes, alimentamos, não raras vezes, certo prazer masoquista em relação a estes construtos e até mesmo medo de viver sem eles. Dependências às quais nos agarramos para justificar comportamentos, autocomiseração e falta de coragem para sermos livres.
São montanhas erguidas a partir de complexos constelados que abrigam crenças geradoras de julgamentos, medo, culpa e vergonha. Encontram-se abrigadas nas sombras do inconsciente de onde é determinado o comportamento consciente. De seus abrigos subterrâneos emergem nossas crenças que determinam o que pensamos, sentimos, realizamos ou deixamos de fazer. Sob sua influência tornamo-nos presas fáceis para as mais variadas formas de poder pois as forças que nos dominam não vêm de fora, emergem de dentro.
Jesus percebia claramente a influência destas montanhas no inconsciente individual e coletivo de seus contemporâneos. Para o Mestre não é necessariamente a montanha que constitui desafio à fé, a montanha a ser removida é a própria fé; no caso, a fé negativa, a fé na impossibilidade, a fé que emana sobretudo do fundamentalismo e dos guetos religiosos. A fé colocada a serviço das estruturas fechadas e rígidas dos templos, das doutrinas, dos dogmas e das praxes; enfim, a fé que assassina a expansão da Vida.
A partir do nascimento, ou da própria concepção, somos progressivamente cercados por montanhas resultantes de crenças. Geralmente não temos consciência destas estruturas que sorrateiramente, progressivamente e de forma aparentemente inocente, demarcam os limites de nossa visão, percepção e ação. Montanhas que inviabilizam a expansão da consciência e da espiritualidade, que nos mantém cativos ao que entendemos ser a única realidade possível.
Nosso cérebro opta pelo mais fácil, pelo caminho já percorrido, pelo terreno que estamos a acostumados a trilhar e, se deixarmos por conta dele, vai sempre repetir os padrões já estabelecidos, os comandos já instalados. Para fazê-lo funcionar de forma diferente é preciso crer diferente e pensar diferente. Crer, então, significa romper, desvencilhar, libertar das formas-pensamento dominantes. Compreende a necessidade de duvidar do que se acredita, do que se acredita ser verdadeiro ou falso; aprender a jogar com liberdade e irreverência o jogo das possibilidades. Neste aspecto, a física e a mecânica quântica tem muito a contribuir com a fé positiva e livre, com o exercício da espiritualidade Crística e holística.
Infelizmente, a fé mais professada é na montanha e não na possibilidade de removê-la. Portanto, o que carecemos não é de fé e sim da fé que nos permita remover montanhas de crenças paralisantes. Deixar de crer que somos limitados, não merecedores, despreparados, indignos, culpados, inferiores, menos inteligentes. Muitos por nutrirem uma fé inabalável em suas limitações constroem a realidade limitante na qual se aprisionam.
O que cremos determina o que pensamos e o que pensamos determina o que somos. Na verdade, "os que fazem acontecer", os que removem montanhas, internas e externas, possuem talvez uma fé minúscula; entretanto, comportam-se "como um grão de mostarda", acreditam que possuem potencial, que um futuro grandioso os espera.
O grão de mostarda não sofre de complexo de inferioridade, não se subestima. Apesar de ser minúsculo, crê que pode ser grande, carrega em si o germe da possibilidade, está disposto, como lembrou o Mestre, a ser a maior das hortaliças.
O escritor aos Hebreus ao escrever sobre a fé declara: "Ora, a fé é a certeza de cousas que se esperam, a convicção de fatos que se não vêem." Para o autor a fé é sempre criadora de fatos. Se fatos negativos ou positivos, progressivos ou reacionários, limitantes ou expansivos, bons ou ruis, dependerá da sua origem e de seu alvo.
A fé, como a vida, é um dom de Deus; o uso que dela fazemos é responsabilidade nossa. No campo que semearmos a fé, dele colheremos; portanto, remova as montanhas internas e crie horizontes infinitos e férteis de possibilidades.
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Teólogo Espiritualista, Psicanalista Integrativo, Administrador,Escritor e Conferencista, Compositor e Cantor. E-mail: [email protected] | Mais artigos. Saiba mais sobre você! Descubra sobre Psicologia clicando aqui. |